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Crônica: O Igarapé das Almas

Por Eugenio Mussak

Em Belém, passei por uma importante e larga avenida. No meio tem um canal, um igarapé domado que às vezes se revolta e transborda. Pedi para parar o carro e caminhei sozinho tentando ver algum cabano. Não vi. Nem um cabano nem uma cabana. Só asfalto, carros e prédios.
Mas dizem que é à noite que as almas penadas escavam aquelas margens em busca de armas enterradas. O igarapé das almas é também o igarapé das armas.
Igarapés são riachos de água rasa e escura, que nascem no meio da mata e procuram um rio para se juntar. Na verdade, os igarapés formam os rios. Os rios amazônicos são igarapés reunidos. Há
milhões deles. São os capilares da floresta.
Nas margens daquele igarapé de Belém havia cabanas. Palafitas. Pequenas casas construídas sob estacas para conviver com o humor das águas.
Ali viviam os cabanos. Os pobres, os deserdados do Estado, os esquecidos da história, sem passado, sem futuro, com um presente dedicado a servir ao poder.
Mas nas palafitas também viviam a insatisfação e a revolta latente.

O primeiro Pedro abdicou, e foi para Portugal. O segundo Pedro
tinha só cinco anos, não podia governar. Em seu nome, os Regentes tratavam de manter o Brasil unido, ainda que pela força.
A província do Grão-Pará queria ter vida própria, mandar em seu destino, livrar-se de Portugal e do Império. E a revolta veio das cabanas do igarapé. Começava a Cabanagem, que durou 5 anos,
e foi, claro, vencida pela força imperial.
A imagem das almas dos cabanos procurando as armas enterradas na margem no rio ficou forte em minha cabeça. Me identifiquei com eles. Quantas vezes procurei, eu mesmo, minhas
armas enterradas?
Com frequência me vejo sujando as mãos no lodo de meus traumas e recalques, procurando alguma escopeta enferrujada para transformar em um míssil balístico após uma boa limpeza.
Me hospedei no Atrium Quinta da Pedras, um hotel moderno instalado em um prédio histórico. Meu quarto pode ter sido um claustro religioso, uma cela de cadeia ou uma sala de aula. Nunca saberei. E daqui a um ano, na COP 30, talvez ali durma um chefe de estado, um burocrata da ONU um uma linda ambientalista.
Vão estar lá para fazer história de alguma forma: ou para entendê-la ou para construí-la. É o que fazermos todos nós todos os dias. Procurando as armas enterradas para continuar vivendo.
Um ótimo domingo e uma produtiva semana a todos!

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